terça-feira, 17 de maio de 2011


CÉU

Agora que me preparava para sair, este ruído matreiro!
A minha atenção está desperta, e uma dúvida subtil leva à imediata exclamação de incredulidade: " Não é possível!"
A passos largos atravesso a sala e levanto a veneziana  (já descida, nos preparativos para abandonar o escritório). No vidro, que gradualmente se expõe, ei-las, as gotas de prata que tracejam verticalmente a paisagem verde. Sim, é chuva - começou a chover.
Abro a janela e deito a cabeça de fora, de maneira a dissipar o espanto e simultaneamente abarcar, no meu campo de visão, para além do jardim, todo o horizonte citadino.
Quatro patos, em formação, voam paralelamente à janela, arrancando-me uma nova exclamação, esta de felicidade: "Que belo!" Consigo, desta vez, apreciá-los bem. Todos machos, o pescoço verde esticado, elegantes e rápidos como flechas - fabulosos na sua trajectória resoluta.
A chuva intensifica-se do lado direito, onde as trovões ribombam, ameaçadores. Aproxima-se a tempestade.
Fecho a janela e sento-me diante da paisagem, a escrever, enquanto as nuvens altas e longínquas desfilam as suas ilustrações ao som da música de Bach que me chega do apartamento contíguo.
Como tenho feito desde sexta-feira, nas nuvens procuro caras. Mas não as encontro logo. E, se finalmente distingo uma, é grotesca, de avantajado nariz, facia disforme. Logo depois, um rosto desconstruído, espécie de Picasso, se desenha; mas quando levanto o olhar da escrita e o lanço novamente sobre o cortejo das nuvens, já tudo se desvaneceu e apenas uma cabeça enorme, lembrando um recortado focinho de cão, se ilumina por sobre o fundo cinzento mesclado do céu.
Não, um rosto perfeito, como o que vi no canto direito da auréola, não é vulgar!
Mais uma coincidência a somar às demais. Outra perplexidade a espicaçar-me a razão. Uma nova gota de orvalho a brilhar no casulo luminoso em que se abriga a minha secreta fé.


Ilona Bastos



Fátima, 13 de Maio de 2011 - Halo Solar
http://www.youtube.com/watch?v=zNXXNf-8zLI




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