quinta-feira, 29 de julho de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

MAR – IV


Proponho-me ser eu
Em vez de nós,
E singular descer
Ao areal.

Momentaneamente
Cercada de paredes,
Vejo no interior do meu olhar
As manchas bege, branca e azul
Da areia, da espuma e do mar.

Imagino-me descalça,
Caminhante sobre a borda da água
Que sei ser macia,
Deixando que a espuma
Borbulhe brilhante sobre a minha pele,
E que o mar
Aqui tão suave e transparente
Se desdobre e deslize, fluído
E luzidio, sobre a areia
E os meus pés.

Sinto a água tépida
A receber-me e a retirar-se
Brejeira, e a novamente avançar,
Solícita, em corridas e recuos
Sucessivos, em nítida brincadeira
Com o sol.

Proponho-me ser eu
Em vez de nós,
E singular brincar
Com o sol e o mar.


Ilona Bastos


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

MAR – III

Do rectângulo que é janela
Me aproximo,
Atraída pelo azul intenso,
Delicadamente debruado a branco
Numa faixa estreita
Junto à mancha bege
Do areal.

E as rochas, manchas também,
Que abrigam as gaivotas
Brancas,
E o bordado verde das folhas
Das árvores, que brilham
Em primeiro plano,
Tudo me atrai para o
Rectângulo que é janela.

Junto à janela
O quadro é alargado
E perfeito.

Pequenas figuras humanas
Caminham na maré baixa,
Com a elegância própria da manhã
E da lonjura.

As folhas das árvores
Vibram suavemente na brisa,
Na demonstração de que a paisagem
É viva.

A bandeira azul e branca
Acena compassada
Sobre a rocha clara,

E as gaivotas voam
À desgarrada, cruzando
A nossa vista, em improvisos.

Um barco carregado
Navega sobre a água mansa,
Para a frente inclinado,
Desenhando o seu rasto de espuma,
Cruzando-se com outro barco,
Ambos ligeiros, ambos sabedores
Do seu destino.

Afasto-me do rectângulo
E uma vez mais maravilho-me
Com a intensidade do azul
E o brilho do verde acenante.

Regresso ao meu posto,
Dilatando a paisagem
E abarcando, no meu olhar,
Todo o horizonte.


Ilona Bastos

domingo, 25 de julho de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

John Milton

" Pois a verdade é que os livros não são coisas absolutamente mortas, encerrando em si uma vida em potência que os torna tão activos quanto o espírito que os produziu. Mais ainda, os livros conservam, como num frasco, o mais puro extracto e eficácia do intelecto vivo que os gerou. Sei que estão tão vivos e tão vigorosamente produtivos como os dentes daquele dragão da fábula e que, disseminados aqui e ali, podem fazer surgir homens armados. Mas isto significa também que, se não se usar de cautela, matar um bom livro é quase o mesmo que matar uma pessoa. Quem mata um homem mata uma criatura racional feita à imagem de Deus; mas quem destrói um bom livro mata a própria razão, mata a imagem de Deus, como se esta estivesse nos olhos. Muitos homens são um peso para este mundo; um bom livro, porém, é a seiva preciosa de um espírito superior, embalsamado e deliberadamente preservado para uma existência que ultrapassa a vida."

John Milton, Areopagítica, Livros que Mudaram o Mundo, Público

domingo, 18 de julho de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

Fim-de-Semana

Fim-de-semana é oásis
Palmeira verde e lagoa.
Namoro terno em Paris
Champagne, comida boa.

É sopro de brisa amena
Carícia de ar na alma,
É onda do mar que acena
Afago que o corpo acalma.

É sono, sonho, poesia
Livro, filme, exposição,
É dança, arte, magia
Música, canto, canção.

É rosa em nosso jardim
Mergulho na natureza,
Junto à família, festim
E, com os amigos, beleza!

Fim-de-semana é de mel,
Doçura leve, alegria!
Segunda-feira é de fel,
Acabou-se a fantasia...


Ilona Bastos


sábado, 17 de julho de 2010


João Paulo II

"Não será que após a queda do muro visível, se tenha descoberto outro muro, desta vez invisível, que continua a dividir o nosso continente: o muro que passa pelo coração dos homens? É um muro feito de medo e de agressividade, de falta de compreensão pelos homens de origem diversa, de cor de pele diferente, de distintas convicções religiosas; é o muro do egoísmo político e económico, do enfraquecimento da sensibilidade em relação ao valor da vida humana e à dignidade de cada homem. Nem mesmo os incontestáveis êxitos do último período, no campo económico, político e social escondem a existência de tal muro. A sua sombra estende-se sobre toda a Europa. A meta de uma autêntica unidade do continente europeu ainda está longe. Não haverá unidade na Europa, enquanto esta não se fundar na unidade do Espírito."


João Paulo II, discurso em Gniezno, Polónia, a 3 de Junho de 1997


E Vós, O Que Pensais Sobre Isto?



Caminhando pela rua,
Há momentos em que me apetece parar,
Quedar, estática, na beira do passeio,
Simplesmente sentir a brisa no rosto,
Escutar o som dos automóveis velozes,
E dos aviões que se atravessam na paisagem,
Aspirar o odor das flores primaveris
Que se desprende dos jardins vizinhos.
Nestes momentos, apetece-me parar...

E vós, o que pensais sobre isto?


Vivendo a vida,
Há alturas em que me apetece meditar,
Cessar toda a acção rotineira,
Afundar-me num oásis de calma,
Em livros profundos, escritos por sábios,
Procurar a resolução deste mistério que é a vida,
Reflectir sobre o sentido da existência,
Formar ideias simples mas fundamentais,
Sentir o mundo como parte de mim..
Nessas alturas apetece-me meditar...

E vós, o que pensais sobre isto?


Ilona Bastos

domingo, 11 de julho de 2010


Robert Benchley

"Durante a época de Natal e Ano Novo andou de boca em boca, pelos escritórios e salas de visita, o desagradável boato de que eu tinha sido preso. Gostaria de deixar claro desde já que fui eu próprio que lancei esse boato. Não só o lancei como gastei bastante dinheiro para o manter vivo, recorrendo a mexeriqueiros pagos, para que os meus amigos percebessem por que motivo não lhes enviava presentes ou bilhetes-postais com lembranças minhas. De um homem preso numa cadeia não poderiam esperar que lhes enviasse qualquer coisa, não é verdade?"


Robert Benchley, Wit, Ensaios Humorísticos, Tinta da China edições.

sábado, 3 de julho de 2010


O Sono e o Brilho

Brilham a água e as bolhas transparentes.
Por mim, tenho sono. Não tomei café...
Ou será da leitura, que sinto aborrecida?
Ou antes do sol, que bate nas letras pretas
deste livrito bege e me torna o olhar parado,
pasmado, à beira do precipício do sonho?

Não importa. A água brilha e encandeia.
O ruído surdo de conversas distantes, e próximas,
e do avião que surge, gigantesco passarão,
na paisagem paradisíaca do Campo Grande,
alimentam a sonolência da ocasião.

Brilha a água, e as bolhas transparentes (também elas),
como mísseis electrónicos,
disparam cadenciadamente do fundo do copo
até atingirem a superfície.

Assim também as ideias me surjam,
cometas fugazes de trajectória brilhante,
no afundar doce, hipnótico, incoerente, do abismo do sono.
Não tomei café...


Ilona Bastos