quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

MEU CANTO


Só neste meu canto é que eu me encontro,
E em nenhum outro mais que possa se inventar.
Procurar-me, para quê, noutro lugar?

Só desta voz eu oiço a lhana fala,
De um jeito longo, encadeado, quase prosa
Que eu não sei calar, muito que tente.

Portanto, nada mais posso escrever
Senão o que escrevo, ditado pela voz
Que me sussurra, que me grita e canta,
Neste canto de mim onde me escondo.


Ilona Bastos


José Vianna da Motta, Concerto para Piano em Lá maior


Artur Pizarro, Orquestra Gulbenkian, Cond. Martyn Brabbins

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

A BÚSSOLA


Eu tenho esta bússola, meu guia,
Que em cada dia inspira o meu caminho
E no caminho indica a direcção.
.
Confio nela? Mais que em guru!
.
Se o rumo perco, quem vai me socorrer?
Quem sabe dos meus sonhos e ilusões,
Dos medos, das acções e omissões?
.
Só ela, bússola, minha consciência,
Me sabe as qualidades e os defeitos
Que ao mundo passam mudos, ignorados.
.
Por isso, é vã vaidade de terceiros
Meus passos dirigir aqui e além.
Sigo o caminho que me está traçado
Pela bússola que eu tenho e mais ninguém.


Ilona Bastos


João Domingos Bomtempo - Sinfonia Nº 2 (Minueto - Allegro)



Vídeo de jprmp



domingo, 19 de setembro de 2010


FAZEDORES DO MUNDO


É fazer muito, o caminhar pela estrada,
As mãos atrás das costas, o rosto erguido,
Os olhos postos na paisagem longínqua
Que o horizonte desenha ao pôr-do-sol.
-
É fazer muito, é fazer tudo.
Porque nada há de tão sublime
Como o horizonte e o sol,
E essa paisagem de árvores despidas,
Telhados, automóveis que se movem
Com um desprendimento quase sobrenatural.
-
É fazer a própria paisagem.
É fazer o mundo.
Por isso não olheis com desdém
Aquele que caminha pela estrada,
De olhos postos…


Ilona Bastos


Carlos Seixas, Sinfonia for Strings in B flat Major

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

António Victorino D'Almeida

"Há uns segundos breves, na vida de todos os dias que não padeçam de nevoeiro ou chuva, em que o Sol, no seu poente, como que acenando um derradeiro adeus em beleza, matiza céu e terra de cor-de-rosa.
"É um instante fugaz, indeterminado, alheio ao mecanismo monótono dos ponteiros do relógio; mas, para aquele homem, que talvez fosse poeta, conquanto não soubesse fazer versos, esse momento cor-de-rosa na vida do mundo ocupava todas as horas do dia, antes na expectativa, depois na recordação.
"Estava-se numa pequena aldeia do Norte de Portugal, em 1963."



António Victorino d'Almeida - Prelúdio No1

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

HOJE

Hoje é um dia de harmonia,
Um dia delicado,
Em que vou cantar a folha
E não a árvore,
A pétala e não a flor,
A gota e não o oceano,
O grão e não a areia.

Hoje vou dedicar-me
Aos mais belos pormenores,
Como o do silêncio,
O do gesto,
O do sorriso,
O do traço,
O da letra.

Hoje vou fazer uma poesia
Sobre as mais nobres qualidades,
A fé,
A esperança,
A caridade,
E vou amar os meus semelhantes
Como a mim mesma.

Hoje vou ouvir as palavras
Dos meus irmãos,
Vou olhá-los nos seus olhos,
Vou entender as suas hesitações,
Vou sentir as suas emoções,
Vou compreender os seus sonhos
Hoje, vou dar-lhes a minha mão.


Ilona Bastos


domingo, 5 de setembro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

POEMA-QUADRO

Do traçado breve
desenhando um vulto sentado à janela
liberta-se não sei que estranha calma,
que suave paz.
São as mãos esguias
pousadas sobre os joelhos.
São os olhos plenos de paisagens
lançados além vidros.
É o recostar no espaldar de uma cadeira
numa imobilidade que não fere as dimensões
nem o silêncio, e em si se afirma ser.
.

Eloquente, a vida existe
impregnada nas rectas de um tampo de madeira
que é mesa e paleta,
no esboço de um cilindro
que é caneta e pincel,
no brilho de uma janela
que é papel e tela
onde se compõe um poema-quadro.

Ilona Bastos