quinta-feira, 16 de agosto de 2012



Formas leves, amarelas, delicadas


O Outono anuncia-se já, nas folhas esvoaçantes lançadas das árvores. Daqui, donde me sento, que os ramos não avisto, só o espargir das folhas, a avivar a paisagem, me surpreende, ou antes, acalma, na reconfortante constatação de que o tempo passa, as estações se sucedem, nada pára, e também eu seguirei o meu caminho.
Que bizarria, que paradoxo! Como pode tranquilizar-me a ideia de que rapidamente avanço para o inexorável fim?
Talvez que o não sinta desse modo – antes como a visão do rio, cujas águas fluem, velozes, espumosas, para a foz. E quanto mais depressa correm, maior a sensação de vida – na verdade, a dimensão de vida. Águas paradas lembram a morte – ainda que a vida pulule no charco, não é a vida sã do peixe que nada e salta, e chegado ao mar percorre oceanos; não é a vida das árvores que da margem se debruçam, viçosas, e na água se nutrem, deslumbrantes…
Na mudança constante, no movimento, reside a vida. E é ela que me surge, subitamente, nestas formas leves, amarelas, delicadas, que o vento lança sobre a paisagem.

Ilona Bastos

segunda-feira, 13 de agosto de 2012



A PRAIA


Voam pipa, disco,  bola,
Espuma branca, onda do mar.
Rente à areia macia,
Passa a gaivota, a planar.

Um papagaio descola,
Pula o menino, a brincar.
Ao vento, em doce carícia,
 Vela de barco a vogar.

Ilona Bastos

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Voltaire

«- Os homens - disse o anjo Girardo -, tudo julgam sem conhecimento. Tu eras de entre todos os homens aquele que mais merecia ser esclarecido.
«(...) - Os maus - respondeu Girardo - são sempre infelizes e servem para pôr à prova um pequeno número de justos espalhados pela terra; não há mal de que não nasça o bem.
«- Mas - disse Zadig -, se não houvesse o mal e apenas o bem?
«- Então - continuou Girardo -, esta terra seria outra terra; a cadeia dos acontecimentos constituiria outra ordem de sabedoria; e essa ordem, que seria perfeita, só pode realizar-se  na eterna morada do Ser Supremo, de quem o mal não pode aproximar-se. Ele criou milhões de mundos, todos diferentes. Esta imensa variedade é um tributo do seu imenso poder. Não há duas folhas de árvore na terra, nem dois globos nos campos infinitos do céu, que sejam iguais; e tudo quanto vês no pequeno átomo em que nasceste tinha que estar no seu lugar e no seu tempo fixo, segundo as ordens imutáveis daquele que tudo encerra. Os homens pensam que este menino, que acaba de morrer, caiu à água por acaso, que foi por acaso que aquela casa ardeu; mas não há acaso: tudo é prova, castigo, recompensa, previdência. Lembras-te daquele pescador que se julgava o mais infeliz dos homens? Orasmade enviou-to para modificares o seu destino. Ó fraco mortal, deixa enfim de disputar contra aquilo que deve ser objecto de adoração.
«- Mas - disse Zadig...
«Enquanto ele dizia mas, o anjo voava já para a décima esfera. Zadig, de joelhos, adorou a Providência e submeteu-se.»

A Princesa da Babilónia, Voltaire, trad. José Carlos Marinho, Livros de bolso Europa-América