O caminho
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
O caminho
A
caminho deste meu canto, a folha que não boiava nem se estampava,
antes pairava no finíssimo lençol de água que a chuva depositara
na laje do pavimento – claramente verde e recortada, singela e jovem.
Ainda, o indivíduo de blusão e cachecol na cabeça branca, que
furtivamente se voltava e olhava, talvez para ver se o seguia, que
passos eram aqueles a ecoar pelo jardim fora, chapéu de chuva
aberto, botas chapinhando na água, olhos
observando os patos a bebericar das poças, a abanar as penas, a
soltar os seus quásqs enfáticos, sobre o lago onde as gotas de um
aguaceiro forte desenhavam círculos, e o sol, subitamente raiando,
pintava manchas de luz. E eu, a pensar no vulto diante de mim, a
ponderar que podia ser um poeta ou um assassino, ou simplesmente um
homem, como todos os outros, a seguir a sua vida...
Antes,
fora a senhora de cabelo castanho curto, a contar como lhe fora
diagnosticado o cancro no pâncreas - por acaso, em exames de rotina,
pois que nenhuns sintomas tivera. E, ainda antes, a idosa de óculos,
que dos meus lábios bebia as palavras, com o seu olhar míope e
sedento, e as repetia num eco inverosímil. E a outra ainda, que se
debatia e lançava num discurso ardente, forçando-me a
interrompê-la, com ar sério e porventura abrupto. E agora o que
caminha, olhando em frente, falando sempre, em tom baixo e pausado,
num dialogo consigo mesmo.
E
o que me escreve uma mensagem e conclui com o desejo de “dia fliz”.
E
o que me beija nos lábios e combina o almoço, e me vai aconchegar
os lençóis, dizer “Boa Noite!”, embalar-me nos sonhos de um
sono profundo que a noite acolhe!
Ilona Bastos
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
Esplêndida desarrumação
Que esplêndida, a desarrumação deste jardim, em que os caminhos e a terra ensopada se cobrem de uma caótica ornamentação de folhas secas e frescas, de vários tamanhos, formatos e cores – castanhas, douradas, amarelas, encarnadas e verdes –, de flores de romã e eucalipto, e de pequenos chapéus cheirosos, esbranquiçados como se a neve ou o açúcar em pó sobre eles, e apenas eles, tivessem poisado. Numa errância elegante, os patos procuram alimento nas poças, deslizam no lago, ou sacodem as asas, erguendo o peito e esticando o pescoço num equilíbrio majestoso.
Ilona Bastos
Ilona Bastos
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