quarta-feira, 27 de outubro de 2010


Registos Outonais

Música: Tears, de Isisip
Fotografias e vídeo: Ilona Bastos
Lisboa, Outubro de 2010

sábado, 23 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

RETRATO DO MEU AMOR


Olho o teu rosto jovem e audaz,
Fito os teus olhos ternos, meigos,
Que a verdade contam sem receios.
Penso em ti, longe de mim, tão só,
Vejo-te em sonhos, olhando em paz
O verde molhado dos outeiros…

Toco-te a boca, que cerras, sem falar,
Miro-te o queixo, erguido, valoroso.
Sei-te distante, na estrada, a rodar
Veloz na chuva, que tomba sem repouso.

Nas minhas mãos já sinto o teu cabelo,
O teu olhar me envolve com ardor,
Em pensamento é meu o teu calor.
Para mim vens, quilómetros correndo,
A tempestade vences, percorrendo
A distância que separa o nosso amor.



Ilona Bastos

sábado, 16 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

ENCANTO E DESENCANTO
.
.
Todos passaremos pelo encanto
e pelo desencanto.
Perguntaremos pelo esplendor
que já partiu.
Veremos a luz e as trevas.
Cantaremos, saudosos, o passado,
desalentados do presente.
Imaginaremos que só o tempo ido é belo
e o aqui e agora puramente tristeza.
Esqueceremos, cegos, que este presente
será o passado feliz.

Mas eu não quero perder o presente.
Por isso observo, procuro, encontro
a cor na escuridão,
a flor no charco,
a estrela no céu nublado.
Seja o que for, eu encontro,
para não poder clamar,
entristecida, demente,
que o passado era mais azul
ou mais róseo, ou mais brilhava
o ouro então do que agora
que vos falo, feliz.

.

Ilona Bastos

Rodrigo Leão & Cinema Ensemble - Casino Estoril ( A Mãe)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

HOUVE UM TEMPO...



Houve um tempo em que o tempo não tinha fim.
Percorriam-no jogos, corridas e risos pelo jardim,
Ou as rodas de uma dança de criança, de um triciclo,
Um ciclo de fitas animadas, livros de contos de fadas,
Baladas, romances de príncipes e princesas encantadas…

Houve um tempo de inocência, em que a aventura
Sorria, espreitando, em cada esquina, e era ventura
As pistas descobrir, e do mistério desvendar a solução,
Na convicção de quem é vencedor na luta pelo bem
E tem, em si, a ambição de ser gigante - ser alguém!

Houve um tempo de sonhos como botões de rosa,
A florescer no desfiar dos pensamentos de uma prosa,
A gentilmente se expandir em pétalas coloridas, delicadas,
Perfumadas de magia, de um aroma que embriaga, inebria
E nos guia, tal brisa suave, pelos caminhos da poesia.

Houve um tempo em que o futuro se desenhava luminoso,
Longínquo, belo horizonte pleno de esperança, grandioso,
E que os passos, alegres, decididos, cheios de felicidade,
Pela cidade me levavam, corajosos, e seguros revelavam,
Antecipavam carinhosos, o amor imenso que buscavam…

Houve um tempo em que o presente era também futuro,
Em que, vivendo a dois tempos, lançava meu olhar puro,
E dali mesmo antevia, leda visão do porvir, o que seria,
Viveria, a sorrir, o amor e a grandeza, que ainda ouso atrair,
Ouvir promessas de então, que o coração quer cumprir.


Ilona Bastos

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

Aqui estou eu, à espera que o tempo passe, a inspiração me surja, o espírito se me torne mais inteligente, os sentidos mais alerta, o ânimo se revigore, e tudo, tudo mude como deve mudar para que eu seja o que nunca fui, imagine o que nunca imaginei, descubra o que nunca descobri, escreva o que nunca escrevi…


Frederico de Freitas-Suite Medieval (Início)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

FALAR DE MIM


Nas coisas e nos seres
estampo a minha luz.
E descrevo-os, assim,
Luminosos ou sombrios,
Consoante me sinto.

Falar do que me rodeia
É, por isso, falar de mim.
Como evitá-lo?

Escrever sobre o cadeirão,
Colocado junto à janela –
O tecido verde e rosado,
Amparado pela armação
Leve, em madeira clara –
É dizer de mim, ou do outro,
O que pensou o desenho,
Escolheu o tecido e os tons,
Coseu almofadas e botões,
Cortou o pinho e amaciou-o?

É falar de mim ou daquele
Que no cadeirão se senta,
E o faz seu ao longo dos dias
E das noites?
Ou é antes recordar a mulher
Que lhe limpa o pó?
Ou o cão, que nele se aninha,
Preguiçoso?
Ou o que construiu o edifício
E rasgou a janela?

Continuo a pensar,
Apesar de tudo,
Que o cadeirão,
No meu olhar,
É imagem minha,
E se dela falo, é de mim,
Afinal, que estou a falar. .
.
Ilona Bastos

António Pinho Vargas (1984) Da alma.mov

sábado, 2 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

Giovanni Papini


""A única solução plástica possível consiste em passar da imobilidade ao efémero. A arte mais perfeita, a música, soa, passa e desaparece. O som é instantâneo, não perdura, e, contudo, é poderosíssimo. Se todas as artes aspiram à música, também a escultura deve aproximar-se daquela divina coisa passageira. Dar-lhe-ei, agora mesmo, o exemplo."
" Ao dizer isto, Matiegka, com as suas mãos delicadas, destapou o trípode, que se encontrava ao centro do estúdio, e colocou nele uma pasta quase negra a que ateou fogo. Elevou-se, rectilínea, sobre o braseiro, uma coluna densa e espessa de fumo. O fantástico escultor empunhou uma espécie de comprida palheta na mão direita, a seguir, outra com a esquerda e começou velozmente o seu trabalho, girando em torno do globo alongado de fumo, servindo-se dos instrumentos, dos braços e do sopro. Em menos de um minuto, a escura coluna adquiriu o aspecto de uma figura humana, de um fantasma amarelo, que ameaçava esfumar-se a cada instante. A massa arredondara-se na cúspide, até aparecer uma cabeça, e, com um pouco de boa vontade, podia distinguir-se um arremedo de nariz e o projecto de uma barbicha. O fumo, espesso e gorduroso como o que sai das velhas locomotivas em repouso, deixava-se cortar pelas mordidas insistentes das palhetas. Matiegka, muito pálido, movia-se como um condenado; repelia o fumo que ameaçava confundir as duas pernas, soprava levemente nos ombros da estátua aérea, para os tornar mais verosímeis, ou afastava a réstia fumegante que impedia a identificação das linhas da obra. Finalmente, afastou-se, aproximou-se de mim e gritou:

"- Olhe! Depressa! Imprima a forma na sua memória! Dentro de poucos segundos, a estátua dissipar-se-á como uma melodia que finda! "
E, realmente, a pouco e pouco, o fumo, estendendo-se, deformava-a; o fantasma desfez-se, dissolveu-se numa névoa escura que desaparecia lentamente por uma abertura da clarabóia.

"- A obra-prima morreu, como morrem todas as obras-primas - exclamou Matiegka. - Que importa? Posso tornar a fazer quantas quiser. Cada obra é única e deve bastar para a alegria de um momento único. Que uma estátua dure dez séculos ou dez segundos, que diferença há, com relação à Eternidade, que diferença, se tanto a de mármore como a de fumo devem, afinal, desaparecer?"

Giovanni Papini, Gog, A Nova Escultura, Editora Livros do Brasil

Fotografia de Ilona Bastos

EU SEI

Eu sei que apetece desistir
e desesperar,
eu sei.

Mas repara, está lá tudo,
nesse incrível caldeirão
que é o mundo.

Está o sofrimento
misturado com o amor,
e a meiguice dissolvida
em azedume.

Está lá tudo, te garanto!

Estão lá a sabedoria e a estupidez,
em partes iguais, e em idêntica proporção
a raiva e a paixão, amálgamas de fúria,
bondade, e indescritíveis rancores.

Estão lá o ódio e a candura,
a violência, a inveja e a arrogância,
as acções mais nobres, a inocência,
o desapego.

Só temos que distinguir.
Que extinguir o fogo do mal
com a espuma da nossa esperança.
Que regar a flor do bem
com a água da nossa fé.

Eu sei, eu sei.
Mas repara bem.
Está lá tudo!


Ilona Bastos

Rão Kyao - Rota dos Navegantes