quinta-feira, 31 de março de 2011


ELES

Soam cornetas, clarins,
Tambores rufam, tresloucados,
E ufanos, emproados,
Eis os actores que se agitam.
Vozes gritam, retumbantes,
Perorando, sapientes,
Sábios doutores, reis das gentes,
Que o saber ao mundo ditam.
Mil glórias, vaidosos, clamam,
De rastos, modestos, coram,
De improviso abrilhantam
Discursos que a si encantam
E  à socapa decoram.
Sabem rir quando é preciso,
E chorar na ocasião.
Suaves, doces, emotivos,
Rudes ou persuasivos,
Negam ao povo o seu pão.

Ilona Bastos

Serei injusta? Mas ao observá-los, ontem,  na A.R. - os seus gritos, risos, esgares - recordei-me deste escrito antigo, com quase 30 anos. Tudo muda - nada muda...

quinta-feira, 24 de março de 2011



SEMENTE DE PRIMAVERA


Onde se esconde, em mim,
Esta semente que germina
Ao chegar da Primavera?

Será no coração pesaroso
Que o Inverno deixa mouco,
Mas com a Primavera remoça
E canta, e esperto reconhece
Em redor, o amor,
A vida, a felicidade?

Será no cérebro cansado,
Que o Inverno torna vago,
Mas que a Primavera espevita,
Encanta, afaga, e inspira,
De ideias fervilhante,
Cintilante, criador?

Será no olhar embaciado,
Que de cores se enche, louco?
No olfacto, inebriado
pelo aroma das flores?
Nos ouvidos doloridos,
Que na música se perdem?

Ou na pele
Que, brilhante, resplandece?
Ou na língua,
Que em paladares mil se deleita?

Onde, onde se esconde
Esta semente que agora floresce
E me inunda de Primavera?


Ilona Bastos

segunda-feira, 21 de março de 2011




O ESCREVER DA POESIA


Não sei se escrevo poesia
Ou se a poesia me escreve.

É presunção, decerto, julgar-me criadora,
Chamar poesia a estas palavras
Que debito, desajeitadas e frouxas,
Nas brancas páginas de um caderno.

Maior presunção, ainda,
Acreditar que meus actos desconexos,
Pensamentos e gestos perplexos,
Encerram em si a poesia, o motor
Gerador do meu viver.

E, contudo, a poesia existe em mim
E em meu redor. Sinto-a!
Encontro-a amiúde,
Em manhãs de sol radiante,
Em tardes de plúmbeo céu,
Em noites quentes de abóbada estrelada.

Nem sempre, é certo, a reconheço,
Nem sempre, é certo, me toca e aborda…
Não sei mesmo de onde vem,
Os caminhos que percorre,
Suas maneiras e manhas.

Dias há que a procuro em vão,
Nas esquinas e nas sombras,
Mesmo nas iluminadas avenidas
Que essa luz branca, esfuziante,
Torna nítidas e confusas,
Na confusão que tudo invade,
E cresce, se a poesia não está.

É-me estranha, é-me íntima a poesia!

Ténue, fugidia, forte, impressionante,
Dá sentido ao que sentido não tem,
Mas se a escrevo ou se me escreve,
Isso é que eu não sei bem…


Ilona Bastos