terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

Leo Tolstoi

"Eu regressava a casa pelos campos. Era o pino do Verão. Os prados tinham sido gadanhados e o centeio estava prestes a ser ceifado.
"A combinação das flores é fascinante nesta altura do ano: trevos vermelhos, brancos e cor-de-rosa, aromáticos e felpudos; margaridas descaradas; malmequeres brancos como leite, com centros de amarelo garrido e o seu odor apodrecido e condimentado; colza amarela com um aroma a mel; campânulas parecidas com túlipas lilases e brancas que se elevam bem alto ervilhas-de-cheiro rasteiras; apuradas escabiosas amarelas, vermelhas, cor-de-rosa, lilases tanchagem, com a penugem rosada e o cheiro quase imperceptível; centáurea, azul-escura quando exposta ao sol e durante a juventude, azul-clara e avermelhada ao pôr-do-sol e com o aproximar da velhice; e as delicadas flores de cuscuta, que murcham num instante, com um perfume de amêndoas."

Leo Tolstoi, Khadji-Murat, Cavalo de Ferro, tradução de Olga Solovova



terça-feira, 3 de agosto de 2010

BAILADOS DE GAIVOTAS

Ao som de La Primavera,
o branco planado das gaivotas
estampado contra o azul do céu!

Um bailado majestoso de voos
singulares, aos pares, em volteados,
aproximando-se, sobrevoando-me,
cruzando-se em diferentes planos,
surgindo em inesperadas alturas
aos círculos, em rodas, elipses,
afastando-se em direcção ao mar!

Com a Viúva Alegre de Lehár
valsam agora sobre o miradouro
com suavidade magistral!

Alongam-se elegantes pela praia,
partem em alegres incursões
no areal ou entre os edifícios,
elevam-se, dispersam-se aventureiras,
alcançam os veleiros ao largo
chamando, quase cantarolando,
retornam, em grupo, aos rochedos!

Bailam as gaivotas sobre as arribas,
grandiosas, inspiradas, cheias de vida,
bailam as gaivotas, embriagadas de azul!


Ilona Bastos

domingo, 1 de agosto de 2010




MAR – V

Estou e não estou
Na praia,
Enquanto não conversar
Com o mar.

Se o contemplo de longe,
Se lhe aceno sorridente,
Mas não me entrego, sozinha,
Não estou ainda na praia.

Se desço a longa escadaria,
Se saltito sobre a areia quente,
Mas não me entrego, sozinha,
Não estou ainda na praia.

Se molho os pés conversando,
Se olho os banhistas divertida,
Mas não me entrego, sozinha,
Não estou ainda na praia.

A conversa com o mar
É assunto meu.
Requer silêncio e sensibilidade,
Pois falo com os poros
Todos do meu corpo,
Escuto com todos os milímetros
Da minha pele,
Dou-me da ponta dos pés
Ao extremo dos cabelos,
Mergulho uma e outra
E outra vez, com suavidade,
Longe dos risos e dos gritos,
Afundada no marulhar das ondas,
No sabor salgado e na brisa,
No brilho e na temperatura
Quase quente, quase fria
Do arrepio.

Assim converso com o mar.

Ilona Bastos