sexta-feira, 19 de novembro de 2010


Gonzalo Torrente Ballester


"E esta história, meu amigo, é nada menos do que a seguinte: «por volta do ano mil, segundo a tradição ou certos cálculos, um cavaleiro de nome Marinho caminhava à beira-mar, quando um inesperado escorregão ou qualquer outra causa o precipitou nas alterosas vagas, das quais não teria podido livrar-se, armado como ia e trôpego na natação (não na lide, naturalmente), se não estivesse casualmente à espreita por aqueles lugares a Sereia de Finisterra, a tão sinistramente reputada, que acudiu rápida ao socorro, e que tendo visto de perto o formoso rosto e o bem trabalhado corpo do desmaiado náufrago, concebeu por ele amores tão súbitos, que o levou para a sua caverna e com ele ficou por amante durante bastantes anos; e ali teria morrido o cavaleiro de pura velhice, se não fora porque os filhos havidos do vínculo conjugal, que eram quatro, embora excelentes em artes natatórias e piscatórias, tudo ignoravam da cavalaria e da espada, pelo que seu pai pediu à Sereia que o deixasse voltar para terra e levá-los consigo para lhes dar completa educação, ao que ela respondeu que sim, que estava bem, que os levasse e os fizesse cavaleiros, mas com o anúncio e compromisso de que, cada geração, ela levaria um descendente para as suas necessidades particulares, e este destino singular reconhecer-se-ia na cor azul dos olhos ou nas escamas de peixe que o destinado haveria de ter nas coxas. E sucedeu desde então que todos os Marinho da costa, azul de olhos ou com escamas, desapareceram no mar.»"

Gonzalo Torrente Ballester, O Conto da Sereia, tradução de Miguel Viqueira, Difel, págs. 12 e 13

2 comentários:

sinfonia disse...

Foi um prazer ler este texto.
Bj./Irene

Ilona Bastos disse...

Muito obrigada pela visita e pelo comentário! Sim, o texto é muito bom, e o conto a que pertence é espantoso. Senti-me tentada a colocar aqui o final - mas isso não vale... É preferível abrir o apetite para a leitura, não é verdade? Bjos, Ilona