quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Voltaire

«- Os homens - disse o anjo Girardo -, tudo julgam sem conhecimento. Tu eras de entre todos os homens aquele que mais merecia ser esclarecido.
«(...) - Os maus - respondeu Girardo - são sempre infelizes e servem para pôr à prova um pequeno número de justos espalhados pela terra; não há mal de que não nasça o bem.
«- Mas - disse Zadig -, se não houvesse o mal e apenas o bem?
«- Então - continuou Girardo -, esta terra seria outra terra; a cadeia dos acontecimentos constituiria outra ordem de sabedoria; e essa ordem, que seria perfeita, só pode realizar-se  na eterna morada do Ser Supremo, de quem o mal não pode aproximar-se. Ele criou milhões de mundos, todos diferentes. Esta imensa variedade é um tributo do seu imenso poder. Não há duas folhas de árvore na terra, nem dois globos nos campos infinitos do céu, que sejam iguais; e tudo quanto vês no pequeno átomo em que nasceste tinha que estar no seu lugar e no seu tempo fixo, segundo as ordens imutáveis daquele que tudo encerra. Os homens pensam que este menino, que acaba de morrer, caiu à água por acaso, que foi por acaso que aquela casa ardeu; mas não há acaso: tudo é prova, castigo, recompensa, previdência. Lembras-te daquele pescador que se julgava o mais infeliz dos homens? Orasmade enviou-to para modificares o seu destino. Ó fraco mortal, deixa enfim de disputar contra aquilo que deve ser objecto de adoração.
«- Mas - disse Zadig...
«Enquanto ele dizia mas, o anjo voava já para a décima esfera. Zadig, de joelhos, adorou a Providência e submeteu-se.»

A Princesa da Babilónia, Voltaire, trad. José Carlos Marinho, Livros de bolso Europa-América

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