sábado, 2 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

Giovanni Papini


""A única solução plástica possível consiste em passar da imobilidade ao efémero. A arte mais perfeita, a música, soa, passa e desaparece. O som é instantâneo, não perdura, e, contudo, é poderosíssimo. Se todas as artes aspiram à música, também a escultura deve aproximar-se daquela divina coisa passageira. Dar-lhe-ei, agora mesmo, o exemplo."
" Ao dizer isto, Matiegka, com as suas mãos delicadas, destapou o trípode, que se encontrava ao centro do estúdio, e colocou nele uma pasta quase negra a que ateou fogo. Elevou-se, rectilínea, sobre o braseiro, uma coluna densa e espessa de fumo. O fantástico escultor empunhou uma espécie de comprida palheta na mão direita, a seguir, outra com a esquerda e começou velozmente o seu trabalho, girando em torno do globo alongado de fumo, servindo-se dos instrumentos, dos braços e do sopro. Em menos de um minuto, a escura coluna adquiriu o aspecto de uma figura humana, de um fantasma amarelo, que ameaçava esfumar-se a cada instante. A massa arredondara-se na cúspide, até aparecer uma cabeça, e, com um pouco de boa vontade, podia distinguir-se um arremedo de nariz e o projecto de uma barbicha. O fumo, espesso e gorduroso como o que sai das velhas locomotivas em repouso, deixava-se cortar pelas mordidas insistentes das palhetas. Matiegka, muito pálido, movia-se como um condenado; repelia o fumo que ameaçava confundir as duas pernas, soprava levemente nos ombros da estátua aérea, para os tornar mais verosímeis, ou afastava a réstia fumegante que impedia a identificação das linhas da obra. Finalmente, afastou-se, aproximou-se de mim e gritou:

"- Olhe! Depressa! Imprima a forma na sua memória! Dentro de poucos segundos, a estátua dissipar-se-á como uma melodia que finda! "
E, realmente, a pouco e pouco, o fumo, estendendo-se, deformava-a; o fantasma desfez-se, dissolveu-se numa névoa escura que desaparecia lentamente por uma abertura da clarabóia.

"- A obra-prima morreu, como morrem todas as obras-primas - exclamou Matiegka. - Que importa? Posso tornar a fazer quantas quiser. Cada obra é única e deve bastar para a alegria de um momento único. Que uma estátua dure dez séculos ou dez segundos, que diferença há, com relação à Eternidade, que diferença, se tanto a de mármore como a de fumo devem, afinal, desaparecer?"

Giovanni Papini, Gog, A Nova Escultura, Editora Livros do Brasil

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