terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fotografia de Ilona Bastos

FALAR DE MIM


Nas coisas e nos seres
estampo a minha luz.
E descrevo-os, assim,
Luminosos ou sombrios,
Consoante me sinto.

Falar do que me rodeia
É, por isso, falar de mim.
Como evitá-lo?

Escrever sobre o cadeirão,
Colocado junto à janela –
O tecido verde e rosado,
Amparado pela armação
Leve, em madeira clara –
É dizer de mim, ou do outro,
O que pensou o desenho,
Escolheu o tecido e os tons,
Coseu almofadas e botões,
Cortou o pinho e amaciou-o?

É falar de mim ou daquele
Que no cadeirão se senta,
E o faz seu ao longo dos dias
E das noites?
Ou é antes recordar a mulher
Que lhe limpa o pó?
Ou o cão, que nele se aninha,
Preguiçoso?
Ou o que construiu o edifício
E rasgou a janela?

Continuo a pensar,
Apesar de tudo,
Que o cadeirão,
No meu olhar,
É imagem minha,
E se dela falo, é de mim,
Afinal, que estou a falar. .
.
Ilona Bastos

António Pinho Vargas (1984) Da alma.mov

Sem comentários: