segunda-feira, 20 de outubro de 2008


Olhares

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Tudo se resume a um olhar sobre o mundo e ao desvendar das maravilhas que encerra.
Já em criança o fazia: colhia flores, apanhava pedrinhas, folhas, conchinhas, e trazia-as para casa.
Acabavam, depois, por secar entre as folhas de um livro, perder-se ou ir parar ao cesto dos papéis, essas jóias tão acarinhadas.
Agora não! Encontrei um cofre, que é este blog. Aqui coloco as folhas e as flores que trouxe da rua. Aqui os guardo, expondo-os aos olhos do mundo, os vídeos que me comoveram, as músicas que me deliciaram, os excertos de livros que se me tornaram inesquecíveis.
Eis, portanto, as minhas jóias - o meu cofre!


Encanta-me, claro, a folha amarelecida presa na orelha do cocker spaniel que me olha, inocente, sério, tão embrenhado no seu papel de cão felpudo e focinhudo, de longas orelhas e pêlo dourado!
O seu olhar… e o seu olhar… tão ponderado e prudente.

O que era aquele olhar?
Era o de um ser inelutavelmente destruído?
Ou de alguém, ainda há pouco despertado de um pesadelo,
que se concilia lentamente com a vida?
Perguntou-me: “É para nós?”
Acenei que sim e estendi os braços.
Deu a volta ao balcão e recebeu os sacos.
Vigiei-lhe o olhar, que pareceu tornar-se mais vivo e brilhante. Agradeceu.
Não sei que lhe disse então (sempre vigilante ao seu olhar).
O que era aquele olhar?
Seria o de alguém em luta contra os seres destruidores de almas?
Seria o de quem, em segredo, pactua ainda com demónios,
perpetuando-lhes o apetite devorador?
“Seja como for”, pensei, “Sempre ajudei alguém.”
Mas o segredo daquele olhar perseguiu-me pela manhã.
As suas palavras, os seus gestos, o meneio de cabeça ao responder, o estender dos braços, tudo se tornou irrelevante na minha memória,
tudo reconduzido àquele olhar...
(Terei receado ver, naquele, um outro olhar?)

Penso, agora, naquele olhar, com esperança.
Talvez o céu, esfusiantemente azul,
ou o sol, que insiste em brilhar e aquecer,
lhe tragam o ânimo para vencer.
Quem sabe a fé incendeie aquele olhar...
Quem sabe?


Que dizer, que fazer, que pensar, do teu olhar brilhante, transbordante de riso?

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Ilona Bastos

1 comentário:

vida de vidro disse...

Belo registo poético, o da tua escrita! Obrigada pela visita. **