sexta-feira, 19 de setembro de 2008


Em direcção ao futuro…

Olhando a mulher sentada, abatida, diante de si, a advogada pondera se é possível receber-se o mais duro de todos os golpes e continuar-se optimista, reconstruir-se a vida e seguir-se em frente, carregando o conhecimento proveniente da experiência amarga, mas avançando sem azedume, corajosamente, em direcção ao futuro…

Aquela mulher que a encara do outro lado da secretária, de rosto branco crescentemente tingido de manchas avermelhadas à medida que vai contando o drama da infidelidade do marido, é uma mulher bela. Vista na rua, trajando roupas elegantes - o passo enérgico dos quarenta anos, o cabelo pintado de castanho acobreado, ondeado e bem penteado -, parecerá jovem e feliz. E, contudo, encontra-se à beira de perder o emprego, tal a impossibilidade de se concentrar nas funções que lhe estão atribuídas. As filhas culpam-na (ou simplesmente abandonam-na) neste transe que desde há alguns meses se abateu sobre a família. A raiva, o furor, a ira, o desespero, a mágoa, a amargura, assomam-lhe alternada ou concomitantemente à face, enquanto expõe impetuosamente o seu caso.
A advogada concorda com a cliente – por empatia, para lhe fazer a vontade – aceitando que a sua questão é de difícil resolução. Mas para ela não é, na realidade. Trata-se de uma clara situação de adultério, de violação dos deveres conjugais, de incumprimento da obrigação de fidelidade, e a senhora pode muito simplesmente instaurar uma acção de divórcio contra o marido que a atraiçoa. Basta-lhe decidir.
Mas a mulher revolve-se entre dúvidas, fúrias e desamor. Fala e chora. Gesticula muito com as mãos. Os seus dedos, bruscos, cortam o ar e esmagam-se violentamente sobre uma folha de papel maculado por uma escrita vulgar, traçada a esferográfica azul, prova triste e inexorável da sua irremediável fatalidade.
A mulher confessa-se. Não se sente preparada para um processo litigioso. Não encontra, em si, coragem para confrontar o marido. Mas não aguenta, por mais um dia que seja, manter a situação tal como há longos e penosos meses se arrasta. E, então, debate-se, grita e chora…Quer agir e parece-lhe não conseguir sair do mesmo sítio.
Por momentos cala-se, procurando um lenço dentro da carteira. Os gestos tornam-se vagos, quase indolentes, no momento em que limpa as lágrimas e assoa o nariz.
A advogada acompanha-lhe o silêncio. Toma algumas notas, dá-lhe tempo para se recompor. E a cliente dobra cuidadosamente o lenço. Guarda-o sem pressas.
Mas quando levanta a cabeça, a determinação do seu olhar é mais eloquente que as palavras, tão inesperadamente voluntariosas:
- Chegou o momento de dizer basta. Tenho que avançar em direcção ao futuro!

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